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Preservação dos biomas é prioridade também para o agro

22 de agosto de 2022

Adalberto Luis Val e Claudia Buzzette Calais 

Uma das maiores ameaças ao clima do planeta hoje é a degradação dos biomas. O tema é particularmente relevante no Brasil, que vem registrando um aumento recente nos níveis de devastação principalmente em áreas da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado.

Ocorre que esse debate costuma ser apresentado de maneira distorcida, como uma oposição entre defensores dos biomas, e, na outra ponta, o agronegócio. É preciso mudar essa concepção. A preservação dos biomas é de suma importância também para o produtor rural, pois ela contribui para um complexo equilíbrio ambiental do qual depende a própria existência da atividade agrícola. Trata-se, portanto, de um ponto de convergência e não de divergência.

A agricultura é uma atividade complexa, dependente de múltiplas variáveis – temperatura local, umidade, níveis de precipitação (chuvas), qualidade do solo, correntes de ar, agentes polinizadores – que precisam agir em total sincronicidade.

Logo, o produtor rural precisa de previsibilidade. É por isso que desde a chamada “revolução verde”, com a introdução no campo de tecnologias para a produção em larga escala e o surgimento do moderno agronegócio, buscam-se maneiras cada vez mais sofisticadas de racionalizar a produção, reduzindo ao mínimo a influência de fatores externos e imponderáveis.

A crise climática global tem colocado isso em xeque. Ao romper a sincronicidade entre os vários fatores climáticos e biológicos, que garantem uma boa produção, ela vem tornando a atividade agrícola imprevisível comprometendo a segurança alimentar.

O Brasil enfrentou no ano passado geadas extremamente atípicas, que alcançaram até o norte de Minas Gerais e parte de Goiás, atingindo especialmente os produtores de café daqueles estados. Basta acompanhar o noticiário para perceber como a ocorrência de chuvas ou estiagens atípicas também vem atingindo o país com mais frequência nos últimos anos. Isso ilustra uma das consequências imediatas do aquecimento global: o aumento na frequência e na intensidade dos chamados eventos climáticos extremos. O fenômeno, evidentemente, não se restringe ao Brasil, mas vem se repetindo ao redor do mundo, despertando a apreensão de produtores rurais, grandes ou pequenos, de todos os continentes.

A preservação dos biomas é fundamental para desacelerar esse processo. Biomas ajudam a estabilizar a temperatura e a umidade atmosférica de uma região ou de um continente inteiro. São corresponsáveis por manter o regime de chuvas, as nascentes de rios e a saúde do solo. A variabilidade genética da vegetação de um bioma é outro elemento de segurança para a agricultura, pois permite a introdução controlada de espécies diversas caso uma lavoura, que tende a ser biologicamente homogênea, seja atingida por alguma praga. A fauna nativa também realiza tarefas como a polinização.

Os biomas podem ainda ser fontes de riqueza, com iniciativas na área de bioeconomia (produção sustentável de vacinas, biocombustíveis, cosméticos, ativos medicinais, substâncias para uso industrial etc.) e da agropecuária sustentável. Trata-se, portanto, de aproveitar o potencial econômico desses espaços como produtores, eles próprios, de bens valiosos para a economia deste século. Não há dúvida, portanto, de que a proteção dos biomas precisa ser uma bandeira do setor produtivo. 

O Brasil tem todas as condições para assumir posição de protagonista global nesse campo. Nosso território abriga sete biomas – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal, Pampas e o bioma marinho. Estima-se que, juntas, essas áreas correspondam a algo entre 15% e 20% de toda a biodiversidade do planeta.

O futuro do país depende, portanto, de dois movimentos simultâneos de tomada de consciência. Por um lado, a compreensão de que a agroindústria é um ator interessado na preservação dos biomas, pela simples razão de que, sem eles, seu modelo de negócio corre o risco de se tornar inviável nas próximas décadas. Por outro, uma aposta no potencial econômico desses biomas, por meio da exploração sustentável de suas riquezas naturais.

Só conseguiremos avançar nesses dois caminhos por meio do investimento maciço em pesquisa e inovação. Prioritariamente, o país precisa identificar melhor o grau de sensibilidade de cada um de seus biomas e de cada tipo de lavoura às mudanças climáticas, bem como projetar cenários futuros.

A produção agrícola nacional depende de como a ciência irá viabilizar a adaptação das nossas espécies a mudanças em larga medida já inevitáveis e, ao mesmo tempo, aumentar o grau de resiliência de nossos biomas. Será preciso também inovar na gestão de resíduos, de água e de energia para nossas cadeias de abastecimento de alimentos, na restauração de áreas hoje degradadas e nas ações de reflorestamento.

Em boa parte dos casos, isso depende de implementar conhecimentos que nossas universidades e institutos de pesquisas já produzem. Nosso país conta com alguns dos melhores pesquisadores do mundo nas áreas ligadas à agronomia e meio ambiente, além de ter reconhecida sua liderança mundial no campo da agricultura de baixo carbono.

As condições estão dadas. Precisamos de investimento sério em ciência para que esse conjunto de conhecimentos cresça, chegue aos produtores rurais que atuam na ponta e se converta em políticas públicas eficazes.

Adalberto Luis Val é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), membro titular da Academia Brasileira de Ciências 

Claudia Buzzette Calais é Diretora-executiva da Fundação Bunge