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É cada vez mais necessário um olhar para as desigualdades educacionais nas políticas públicas de apoio aos municípios

01 de janeiro de 0001

Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas(FGV) mostrou que houve atrasos significativos na adoção de programas apropriados para o ensino remoto.

* Ruy Altenfelder e Claudia Buzzette Calais

A determinação da educação básica como direito de todos e dever da família e do Estado foi uma garantia da Constituição Federal de 1988, mas a educação pública obrigatória até o Ensino Médio só foi regulamentada há pouco mais de vinte anos, com a Lei de Diretrizes e Bases de 1999, e a partir da criação de mecanismos de financiamento e de diminuição das desigualdades territoriais, como o Fundeb, criado em 2006 e renovado no ano passado com elementos para aumentar a equidade.

Embora a passos aquém do ideal, tivemos avanços nas últimas décadas. Segundo o Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2020, 98,1% da população de 6 a 14 anos frequenta ou já concluiu o Ensino Fundamental, e 73,1% dos adolescentes de 15 a 17 anos frequentam ou já concluíram o Ensino Médio. Embora o País tenha tido avanços na universalização da educação pública e também na qualidade, com melhorias no IDEB 2019, toda essa evolução pode ser perdida se não forem criadas políticas públicas para atacar os efeitos da pandemia.

Desde a II Guerra Mundial, nunca houve um período tão longo de suspensão de aulas e é a primeira vez na história que temos um número tão grande de estudantes distantes da escola. Segundo dados da Unesco, o Brasil foi um dos países que deixaram escolas fechadas por mais tempo no ano passado, 40 semanas, ante 22 da média global. E, ao contrário do esperado, muitos municípios não conseguiram garantir o acesso às aulas no formato remoto para seus estudantes.

Essa lacuna de oferta do ensino remoto faz com que as desigualdades educacionais ampliassem ainda mais. Muitos municípios que têm dificuldade para acessar recursos, corpo técnico e até mesmo sinal de internet não conseguirão sozinhos oferecer o básico para seu estudante continuar o processo de aprendizagem. Internet acessível, infelizmente, não é a realidade vivida pelos estudantes da maioria dos municípios do interior do país e das regiões periféricas das grandes cidades.

Como tendência, o ensino híbrido pode se tornar um legado educacional da pandemia, mas para que isso realmente se torne realidade, será necessário um redesenho das políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades e promover recuperação desses estudantes que estão sem acesso à Educação e, consequentemente, com seus direitos violados. O problema é que no momento em que a comunidade educacional mais precisa do suporte de políticas públicas, lamentavelmente, o Ministério da Educação segue inexistente, apático. Assiste à distância o drama vivido por secretários de educação, educadores e estudantes.

Na contramão das necessidades de estados e municípios, o Governo Federal vetou integralmente o Projeto de Lei que previa o acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da rede pública de educação, agravando ainda mais a situação de redes que não estão dando conta de solucionar esse gargalo.

Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas(FGV) mostrou que houve atrasos significativos na adoção de programas apropriados para o ensino remoto. Até julho de 2020, 90% dos estados usaram a internet para oferecer as aulas da rede pública. No entanto, até abril, três meses antes, apenas cerca de 50% a 60% dos governos disponibilizaram as aulas pela internet, o que evidencia a demora de adaptação à nova realidade.

Atrelada à questão, a pandemia também fez com que o papel do professor mudasse. Acúmulo de funções, deslocamento entre áreas, criação de conteúdos adaptados ao digital foram algumas novas funções, que eles tiveram que absorver rapidamente e, muitas vezes, sem o treinamento adequado.

Hoje, a rede pública atende mais de 80% dos alunos do ensino básico. Cabe, agora, uma maior atenção a essas instituições, que abrangem a maior parcela da população estudantil do País, mas que ainda vivem grandes desafios estruturais que interferem no aprendizado. E só é possível melhorar a qualidade da Educação do País, com investimento em Educação Pública. O MEC precisa voltar à cena.

* Ruy Altenfelder é curador dos Prêmios Fundação Bunge e Presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea– FIESP)

* Claudia Buzzette Calais é diretora-executiva da Fundação Bunge