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A urgência no combate aos inimigos invisíveis

07 de julho de 2021

Na última década, o mundo observou a reincidência de doenças até então erradicadas por campanhas de vacinação em massa, apoiadas por políticas públicas de saúde.

* Ruy Altenfelder

Na última década, o mundo observou a reincidência de doenças até então erradicadas por campanhas de vacinação em massa, apoiadas por políticas públicas de saúde. O surto de gripe aviária, em 2005, que infectou pessoas no Vietnã, Tailândia, Indonésia e Camboja; o recente ressurgimento de ebola na República Democrática do Congo, que já havia sido cessado em novembro de 2020; a volta da febre amarela no Brasil; além do reaparecimento da poliomielite e sarampo, respectivamente erradicadas em 1989 e 2016 no País.  

Todas essas ocorrências, consideradas doenças infecciosas emergentes e reemergentes, nos mostram a necessidade de termos mais atenção ao tema, especialmente num período pandêmico, em que os sistemas de saúde estão sobrecarregados. Diversos fatores devem ser considerados para o aumento da incidência dessas patologias nas populações: o surgimento ou identificação de novos problemas de saúde, novos agentes infecciosos, a mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, além da disseminação de desinformação de movimentos antivacina.

No Brasil, grande parte das condições que favorece à emergência e reemergência das doenças infecciosas e parasitárias está relacionada a fatores sociais, políticos, demográficos, econômicos e ambientais. Ou seja, é urgente que se discuta os desafios colocados à saúde pública, bem como o reforço e a revalorização da vigilância epidemiológica. Em paralelo, em tempos como o que estamos vivendo, são as desigualdades sociais as primeiras a serem explicitadas em âmbito global quanto ao maior risco de exposição a doenças e menores condições de acesso a tratamentos. 

Olhando para trás, as grandes epidemias e surtos enfrentados e superados globalmente transformaram as sociedades. No Rio de Janeiro, em 1904, quando a até então capital federal era constantemente vitimada por surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose, a nova regulamentação de vacinação obrigatória, somada às condições precárias do sistema de saúde e política de sanitarista da época, culminou na convulsão da população numa manifestação que ficou historicamente conhecida como a Revolta da Vacina. Historiadores argumentam que não foi apenas a obrigatoriedade da vacina que motivou os protestos, mas sim, uma entre várias medidas que visavam disciplinar a população mais pobre, erradicando-a das áreas centrais.

Como desdobramento, a lei foi modificada e a utilização da vacina tornou-se opcional, mas a forma como o Brasil passou a lidar com a saúde pública e sua comunicação voltada para a conscientização da população nunca mais foram as mesmas. A utilização de vasto material informativo, como cartazes, folhetos e manuais; a adesão de celebridades às campanhas em TV e rádio; a criação dos Dias Nacionais de Vacinação e do personagem Zé Gotinha, foram novas formas encontradas pelo País de promover a vacinação e erradicar as doenças infecciosas da época.

E será neste segundo ano de pandemia de Covid-19, em um período no qual o Brasil vive colapso do sistema de saúde, recordes de mortes diárias e nas médias móveis de transmissão da doença, que a Fundação Bunge homenageará profissionais da área das Ciências Biológicas, Ecológicas e da Saúde, especificamente aqueles dedicados à Prevenção de Doenças Infecciosas, um dos temas contemplados pela 65a edição do Prêmio Fundação Bunge. 

Hoje, com o País em isolamento em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus, ignorar a gravidade da situação ou aumentar seu risco pode ser fatal. Como previu o Nobel escocês de Economia, Angus Deaton, em seu livro, A Grande Saída, de 2013: “mais de uma vez na história da humanidade a razão e a Ciência provaram ser as armas mais apropriadas e, no fim das contas, bem-sucedidas no combate a inimigos invisíveis”. É preciso valorizar o trabalho da saúde pública, das pesquisas, dos cientistas e dos profissionais da Saúde.

*Curador dos Prêmios Fundação Bunge e Presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea– FIESP)