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Prêmio Fundação Bunge

Prêmio Fundação Bunge: conheça Elisabete Aparecida De Nadai Fernandes

24 de setembro de 2024
Elisabete Keiny Andrade (64)

Tema: Rastreabilidade na produção de alimentos: segurança alimentar, capacitação e redução de assimetrias regionais

Categoria: Vida e Obra

Premiada: Elisabete Aparecida De Nadai Fernandes

“Tem pesquisador que se fecha apenas na sua pesquisa e tem os que enfrentam vida. Eu sou desse time”

O ano de 2024 promete ser inesquecível para a Professora Dra. Elisebete Aparecida De Nadai Fernandes, responsável pelo Laboratório de Radioisótopos do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP). Em março, ela foi agraciada com a Medalha Hevesy, um dos principais reconhecimentos internacionais na área da química radioanalítica e nuclear. E, em setembro, a excelência de sua produção foi ratificada por uma das maiores distinções científicas do Brasil: o Prêmio Fundação Bunge 2024. Elisabete é a vencedora na categoria Vida e Obra, cujo tema nesta edição destacou a “Rastreabilidade na produção de alimentos: segurança alimentar, capacitação e redução de assimetrias regionais”. “É uma honra receber o Prêmio Fundação Bunge. Representa a coroação desses anos todos de trabalho e dedicação à pesquisa”, comemora.

Elisabete está à frente do Laboratório de Radioisótopos do CENA desde 1988. Ali liderou um trabalho pioneiro: o uso da técnica analítica nuclear por ativação neutrônica a fim de identificar a composição química de amostras. O método, concebido originalmente para detectar a presença de resíduos do solo na cana-de-açúcar processada pela indústria sucroenergética, deu origem aos processos de rastreabilidade que o CENA desenvolveria e empregaria com sucesso para diversas cadeias produtivas de commodities -- em especial, as destinadas à exportação, como café, soja, carne bovina, entre outras. A técnica por ativação neutrônica é hoje reconhecida como um método primário de medição da mais alta qualidade metrológica pelo Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM).

Nascida em Limeira, no interior de São Paulo, em uma família de ascendência italiana, na infância ela costumava passar os fins de semana e as férias no sítio dos avós. “Cresci no meio rural”. Chegou a pensar em estudar arquitetura, o que implicaria em uma mudança para a cidade de São Paulo, já que mirava a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (USP). O frio da capital e o dinheiro necessário para se manter na cidade levaram-na ao curso engenharia agronômica na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba, onde já estudava o namorado e futuro marido.

Ingressou na Esalq em 1971 e, logo no primeiro ano, a boa nota na disciplina Química Analítica lhe valeu um estágio no Departamento Química. No quarto ano, iniciou um novo estágio que daria a linha da sua produção científica e lhe valeria os primeiros prêmios. Começou a pesquisar os resíduos que ficavam aderidos à cana-de-açúcar e acabavam entrando no processo de produção de açúcar e etanol, provocando danos no maquinário das usinas. O mestrado foi cursado no CENA, sob a orientação do professor Hernique Bergamim Filho, tendo como objeto de estudo a composição química inorgânica do etanol.

Elisabete passou uma temporada nos Estados Unidos, na cidade Homua, na Lusiana. Acompanhando o marido que foi a trabalho, ela aproveitou para continuar as suas pesquisas sobre cana-de-açúcar em um centro de estudos em Homua, já que a cidade norte-america é um conhecido centro de produção e estudos sobre a espécie. Na volta, foi aprovada no concurso para professora na Esalq/USP, em 1985, passando a integrar o quadro de docentes do CENA. Defendeu a tese de doutorado em 1988, que versava sobre o uso da ativação neutrônica para determinar a presença de terra na cana-de-açúcar colhida. “Com essa técnica a gente conseguia determinar exatamente o quanto havia de resíduo de solo na amostra”, explica Elisabete.  

Dois acontecimentos de triste memória iriam colocar o CENA em evidência, mostrando a importância do trabalho que era desenvolvido ali. Em abril de 1986, aconteceu o maior acidente nuclear da história, na Ucrânia, quando esta fazia parte da União Soviética. O reator n°4 da Usina de Chernobyl explodiu, espalhando uma nuvem de radiação que iria atingir diversos países do continente europeu.

O problema chegou ao Brasil na forma de derivados de leite, como queijos, chocolates e leite em pó oriundos da Europa -- este último item era distribuído para escolas e creches públicas. O CENA foi convocado para rastrear lotes desses produtos e constatou que eles estavam contaminados por radiação. 

No ano seguinte, em setembro de 1987, houve o acidente radioativo em Goiânia com o Césio-137. Uma cápsula contendo a substância foi violada inadvertidamente, espalhando o material por diversos locais da cidade e atingindo centenas de pessoas, direta e indiretamente. Por causa do acontecimento, o Brasil passou a integrar a lista de países contaminados por radiação, o que teve impacto sobre as exportações, especialmente no caso das commodities agrícolas.

O CENA, com sua expertise, foi então convocado para fazer a análise radiométrica desses produtos a fim de certificar que estavam livres de radiação. “O primeiro deles foi o café. Depois fizemos do açúcar, de carnes, milho, soja, entre muitos outros. Desde aquela época, devemos ter feito mais de 100 mil análises”, contabiliza Elisabete. E o CENA faz essa certificação até hoje, uma vez que o Brasil permanece na lista de países atingidos por radicação.

À essa altura, Elisabete já estava à frente do Laboratório de Radioisótopos do CENA e a demanda pelas análises e pesquisas havia aumentado consideravelmente, gerando receita convertida em equipamentos e melhoria da infraestrutura disponível. Hoje, o Centro dispõe de sete espectrômetros, mas, sobretudo, é reconhecido com um centro de produção científica de excelência, cumprindo um papel fundamental de diálogo com a produção agropecuária do país e para a competitividade internacional das nossas commodities.

Entre os diversos trabalhos de rastreabilidade conduzidos pelo CENA está o desenvolvido para setor cafeeiro, na metade dos anos 1990, que atestou a origem 100% arábica de diversas marcas. Essa pesquisa seria desdobrada junto a produtores interessados em obter a certificação de cafés especiais. Por meio da análise da composição química inorgânica das amostras, foi possível classificar os cafés que tinham a sua origem no cultivo tradicional, os orgânicos e aqueles situados numa fase de transição entre os dois sistemas. “Esse estudo teve grande impacto no setor”, recorda Elisabete. Repercussão semelhante foi estudo que determinou os marcadores permitindo saber de qual bioma brasileiro provem a carne bovina. 

Atualmente, um grupo de pesquisadores do CENA, sob a coordenação de Elisabete, trabalha em grande projeto reunindo as cadeias produtivas de soja, carne bovina e madeira. O objetivo é rastrear a origem do produto final, atestando que não vem de áreas de desmatamento. No caso das madeiras, os pesquisadores se dedicam, no momento, às análises e dados que vão compor o banco de dados das madeiras nobres da região. É um trabalho monumental e necessário, que deve se tornar referência no segmento.

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