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Prêmio Fundação Bunge

Prêmio Fundação Bunge: conheça Lissandra Amorim Santos, homenageada de 2023

25 de setembro de 2023
Lissandra Amorim Santos (1)

A curiosidade e o gosto pelo ambiente acadêmico levaram Lissandra Amorim Santos à pesquisa. Em 2008, durante o curso de nutrição na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, sua cidade natal, iniciou um estágio extracurricular trabalhando com mães no período de aleitamento. Ali começava a ganhar corpo o seu objeto de estudo, que passaria pela nutrição materno-infantil, evoluiria para a nutrição e saúde da mulher e a relação com a desigualdade de gênero. 

Essa produção que joga luz sobre a condição feminina e sua conexão com a insegurança alimentar valeram à Lissandra o Prêmio Fundação Bunge, na categoria Juventude, para pesquisadores de até 35 anos, no tema Conhecimentos e Estratégias Contra a Fome. “O prêmio é um reconhecimento da minha trajetória como pesquisadora. E, acima de tudo, é um alento para as mulheres que estão em um momento de fortalecimento e também uma forma de ampliar o alcance dessa luta”, diz a pesquisadora que atualmente é cientista do Centro Internacional de Equidade em Saúde, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e membro da Rede Latino-Americana Interdisciplinar de Gênero (LAIGN/Yale MacMillan Center), subgrupo de Gênero, Economia, Pobreza e Saúde.

Pode-se dizer que a experiência de campo foi moldando os rumos de Lissandra. O trabalho clínico em consultório e hospitais, somado à atuação em comunidades carentes enriqueceram e alargaram seu campo de atuação durante sua graduação e mestrado na UFBA. Em Salvador, por exemplo, realizou um trabalho social junto à comunidade Nova Brasília com 100 famílias carentes – 95 delas chefiadas por mulheres. Depois, quando já havia se mudado para o Rio de Janeiro para cursar o doutorado em Ciências Nutricionais pela Instituto de Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (INJC/UFRJ), participava ativamente de uma campanha de incentivo ao aleitamento materno. 

No contato direto com as mães, investigando o que comiam, percebeu um padrão que se repetia com muitas delas: estavam bem alimentadas antes do parto e depois dele, nos primeiros meses de vida do bebê, a qualidade de sua dieta havia se deteriorado, impactando tanto a amamentação e a saúde do bebê, e a delas próprias. “Muitas dessas mulheres tinham se separado e então eram obrigadas a economizar na comida. O arroz, feijão e carne eram substituídos por macarrão e salsicha, por exemplo. Outras, porém, continuavam casadas, mas já não precisavam comer por ‘dois’ como na gravidez, e perdiam à preferência à mesa para o marido, o ‘provedor da casa quer precisa se alimentar bem’”, recorda.

Tais descobertas mostraram à Lissandra que era preciso modificar o foco de sua tese. “Comecei o doutorado mirando o consumo alimentar da mulher e sua consequência na saúde da criança. Mas comecei a ver que esse consumo no Brasil era determinado por outros fatores que não só a vontade dela, a fome dela. E fui por um novo caminho”. 

Lissandra, que fez parte do seu doutorado, na modalidade sanduiche, na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, resolveu investigar como a desigualdade de gênero se relaciona com a insegurança alimentar. Trabalhou com os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2004 e 2013 e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) de 2018. E constatou um mesmo padrão: nos três levantamentos os domicílios chefiados por homem tinham prevalência de segurança alimentar em detrimento dos domicílios chefiados por mulheres, que tinham maior insegurança alimentar, inclusive do tipo grave, quando se experimenta a fome.

Quando os dados foram estratificados por cor, o resultado mostra que o homem branco é o que está mais protegido da insegurança alimentar. E que as mulheres pardas e negras são as mais vulneráveis. Outra surpresa surgiu quando o recorte levou em conta as regiões do país: a insegurança alimentar moderada/grave é mais associada aos domicílios chefiados pelas mulheres negras em todas as regiões do país. Porém, no Sudeste, é mais elevada quando comparada às demais regiões para a mulher parda; enquanto na região sul é mais elevada para a mulher preta. “Está claro que precisamos fazer algo agora para melhorar a saúde, o acesso ao alimento saudável, principalmente para as mulheres mais vulneráveis, e atuar na educação de meninos e meninas para que não reproduzam um padrão de desigualdade de gênero”, sugere.

Outro achado de Lissandra foi que as mudanças políticas e econômicas no Brasil a partir de 2016 intensificaram a insegurança alimentar no país, principalmente, para o grupo mais vulnerável: as famílias chefiadas por mulheres negras. O mesmo ocorreu durante a pandemia de Covid-19, quando as mulheres negras foram o grupo mais afetado pela redução da renda e, consequentemente, ainda mais atingido pela insegurança alimentar. 

“Com isso vemos quem sempre é o grupo mais vulnerável e para quem precisamos direcionar o nosso olhar. Muitas vezes a mulher não tem o apoio da família, então precisamos do apoio do Estado, para quebrar o ciclo da pobreza”, afirma.

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