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Prêmio Fundação Bunge

Prêmio Fundação Bunge: conheça Adalberto Luis Val, homenageado de 2023

25 de setembro de 2023
Adalberto Luis Val (1)

Referência mundial no estudo da fisiologia dos peixes amazônicos, o biólogo Adalberto Luis Val, 67 anos, foi agraciado com o Prêmio Fundação Bunge 2023, na categoria Vida e Obra, cuja temática nesta edição tratou das Soluções Baseadas na Natureza para Agricultura Sustentável e Inclusiva. Com pós-doutorado pela Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, ele é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) há mais de 40 anos, instituição que dirigiu entre 2006 e 2014, e que ajudou a transformar em um dos principais polos de produção de conhecimento sobre a Amazônia e sobre biologia tropical. O trabalho científico de Luis Val percorre diversos caminhos a partir do estudo das adaptações biológicas dos peixes às mudanças ambientais, tanto as que acontecem naturalmente nos rios da Amazônia, quanto as que são consequência da ação do homem, passando pelo estabelecimento de indicadores de qualidade ambiental, uso sustentável de recursos naturais e ecotoxilogia.

Nascido em Campinas, no interior paulista, ele passou a infância numa fazenda de café onde o pai trabalhava como escriturário e a mãe nos serviços gerais. O garoto ajudava na roça, na ordenha das vacas e a grande diversão era pescar, o que fazia todos os domingos. Tão religiosa quanto a pescaria eram as aulas numa escola local, que a mãe não deixava o filho perder de jeito nenhum. O gosto por peixes, Luis Val admite, nasceu das pescarias, assim como o entendimento da importância do estudo ele deve ao rigor materno.

Trocou a escola da fazenda pelas aulas em Campinas para cursar, na época, o ginásio, e depois o colegial, do qual saiu com o título de técnico em bioquímica. Com o canudo debaixo do braço conseguiu trabalho em um laboratório da Universidade Federal de São Carlos, cujo objeto de estudo era a respiração dos peixes, tema que sempre lhe interessou.

Ali, a efervescência acadêmica e a convivência com professores como José Galizia Tundisi, uma das maiores autoridades em recursos hídricos do mundo e também agraciado com Prêmio Fundação Bunge, foi determinante em sua escolha profissional. Nessa época, vivia correndo entre o trabalho em São Carlos e as aulas de graduação em biologia, na cidade vizinha de Ribeirão Preto. As horas vagas eram todas dedicadas ao namoro com Vera Maria Almeida, estudante da Federal de São Carlos, com quem se casaria.

A paixão por Vera deu o empurrão definitivo na trajetória de Luis Val. Em 1979, ela foi convidada pelo professor Tundisi para acompanha-lo na implantação de um projeto no INPA, em Manaus. Luis Val pediu demissão do emprego em São Carlos para seguir com a namorada. Logo depois, a convite de Tundisi, ele também se juntava à equipe e ajudaria a montar o laboratório de estudos sobre peixes do INPA. O casal se estabeleceria definitivamente em Manaus a partir de 1981 e no INPA ambos desenvolveram uma parceria de estudos e pesquisas afins e complementares – ele dedicado à parte fisiológica dos peixes e ela à genética. “Trabalhamos juntos esse tempo todo, de maneira que o prêmio da Fundação Bunge é também um reconhecimento à Vera”, considera Luis Val. 

Um dos primeiros estudos desenvolvidos por ele no INPA foi sobre o jaraqui, peixe amazônico mais consumido na região, espécie que atravessa o rio Negro em cardumes de até 15 mil indivíduos para se reproduzir no encontro das águas do Negro com o rio Solimões. O que sempre intrigou Luis Val e atiçava a sua curiosidade de pesquisador era a respiração aérea de alguns peixes amazônicos. São espécies que não respiram pelas brânquias, mas são capazes de usar diretamente o oxigênio da atmosfera, como o tucunaré. “Queria saber como esses peixes não morrem afogados”, lembra. Suas pesquisas foram pioneiras ao descrever como se processam as trocas gasosas dessas espécies.

Ele percebeu também que boa parte da água dos rios, lagos e igarapés amazônicos, é pobre em oxigênio, o que levou diversas espécies a criar mecanismos de adaptação a tal condição. Sua tese de doutorado descreve a estratégia encontrada pelo tambaqui. Quando enfrenta um ambiente de baixo oxigênio, esse peixe desenvolve lábios longos em cerca de duas horas. A adaptação fisiológica permite que a espécie capture o oxigênio presente na lâmina mais superficial da coluna d´água, onde é mais abundante.

“A Amazônia e os seres que nela vivem são o resultado de adaptações e modificações genéticas que somam 65 milhões de anos de evolução, desde que os Andes começaram a se levantar. É uma história de tectonismo e de mudanças”, diz. “A questão é que a ação do homem está modificando muito rapidamente o bioma. Os peixes amazônicos, por exemplo, conseguiram desenvolver aptidões para viver em temperaturas mais altas. Mas um pequeno aumento dessa temperatura vai afetá-los profundamente, porque já estão no limite, não conseguiriam sobreviver”, explica. 

Ele lembra que os peixes representam 90% ou mais de toda a proteína consumida pela população local, são a base da sua alimentação. Uma diminuição na disponibilidade de peixes representa um “enorme perigo para a segurança alimentar da Amazônia”, alerta.

O impacto das mudanças climáticas é uma linha de pesquisa à qual vem se dedicando como coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (INCT-ADAPTA), centro de estudos ligado ao INPA. No ADAPTA foram criadas salas de pesquisa que reproduzem condições climáticas projetadas para o ano 2100. Nelas se estuda como peixes, insetos e vegetais da região enfrentam e são impactados por tais condições ambientais.

Luis Val tem dois filhos também cientistas e que têm a região como objeto de estudo. Fernando, o mais velho, fisioterapeuta, se dedica às doenças tropicais e Pedro, geólogo, às mudanças tectônicas. Há também outros filhos, muitos, dos quais Luis Val tem o maior orgulho. São os mais de 120 estudantes que já orientou em nível de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Acho que esse é o maior legado: formar gente capaz de produzir e ampliar informação científica”, avalia. “A gente só avança nos processos de melhoria da qualidade de vida local se tivermos profissionais qualificados”. É ponto pacífico que com o seu trabalho científico, aliado ao de formação de novos pesquisadores, Luiz Val deu uma contribuição decisiva para a produção de conhecimento sobre a Amazônia, ajudando a fixar pesquisadores na região.

Membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luis Val contabiliza mais de 210 artigos em publicações científicas no Brasil e no exterior. É co-autor dos livros Fishes of the Amazon and their Environment (Springer Velag) e Physiology of Tropical Fishes (Academic Press). Em 2002, recebeu a Comanda da Ordem Nacional do Mérito Científico e o Prêmio Excelência da American Fisheries Society, em 2004. Em 2013, foi admitido na classe Grã-Cruz da |Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2016, recebeu o Prêmio Anísio Teixeira, concedido pela CAPES/MEC. 

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