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É a segunda prioridade que a humanidade precisa resolver, na lista de 17 metas que a ONU definiu para o mundo até o ano de 2030, atrás apenas da erradicação da pobreza, à qual está intimamente ligada: acabar com todas as formas de fome e má nutrição que afligem o ser humano. Não é um objetivo fácil, e, num mundo pós-pandemia, o desafio é ainda maior.

De acordo com o mais recente relatório sobre o “Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, publicado em julho de 2022 pelas Nações Unidas, nada menos que 2,3 bilhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar moderada ou grave no planeta em 2021 – 350 milhões a mais do que antes do surto da Covid-19 começar. Já no Brasil, dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) indicam que, em 2022, 33,1 milhões de pessoas passavam fome, 14 milhões a mais do que em 2020. E mais da metade da população, ou 125,2 milhões, sofriam com algum nível de insegurança alimentar, mesmo que leve – o que só parece pouco para quem desconhece que “insegurança leve” significa “incerteza quanto ao acesso a alimentos em futuro próximo ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida”.

Isso não devia acontecer, em nenhuma parte do mundo, muito menos em um país com tamanho potencial produtivo e qualificação científica como o Brasil, que já foi referência no combate à fome, tendo reduzido a incidência do problema a 4,2% dos lares brasileiros (hoje são 15,5%), em 2014.

Reflexões como essas serviram de base para a decisão da Fundação Bunge de homenagear, por meio da 67a edição do Prêmio Fundação Bunge, pesquisadores do campo das Ciências Humanas e Sociais cujo trabalho se enquadre no tema Conhecimentos e Estratégias contra a Fome.

Como coloca o biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e membro do Conselho Administrativo da Fundação Bunge, Adalberto Luis Val, “vivemos num país que tem uma biodiversidade e um espaço produtivo extremamente grandes; não tem sentido que uma parte da população brasileira enfrente problemas para conseguir sua alimentação diária”. Faz menos sentido ainda, diz Val, considerando-se a qualidade da ciência nacional. “Temos universidades de nível internacional e institutos fantásticos produzindo informações para a melhoria dos processos produtivos. Nós temos essas informações, a sociedade pagou por elas! O que é preciso é que organizações e governos em todos os níveis usem essas informações que já existem e as incorporem nas políticas públicas.”

O biólogo ressalta que não se refere apenas às Ciências Agrárias quando fala de conhecimentos que podem ser aplicados no combate à fome no país. Além das contribuições que as boas práticas agrícolas podem trazer para a equação – como lembrado pelo outro tema do Prêmio Fundação Bunge, em 2023, que celebra soluções baseadas na natureza para agricultura sustentável e inclusiva –, muito pode ser feito também, diz Val, para diminuir o enorme e inaceitável índice de desperdício de comida no Brasil, onde cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos são perdidas, a cada ano, no percurso que vai do campo à casa do consumidor. São problemas de planejamento, manuseio, armazenamento, transporte e comercialização de produtos, para os quais já há soluções sendo elaboradas por pesquisadores de toda parte do país.

Mas é também um problema de natureza econômica, ou de como a economia de uma nação majoritariamente agrícola se estrutura, se uma parcela desproporcional dos investimentos no setor estiver focada, apenas, na produção de commodities para a exportação. 

É o que nota a diretora executiva da Fundação Bunge, Cláudia Buzzette Calais, ao defender o fortalecimento de pequenas cadeias produtivas ao longo do território nacional. “Quando fomentamos a agricultura familiar, também estamos de maneira direta combatendo a insegurança alimentar, porque, além da geração de renda, a produção local aumenta a disponibilidade do alimento, que chega à mesa da população mais rápido, mais barato, em maior quantidade e com melhor qualidade”, diz a diretora. 

Além disso, fomentar o pequeno produtor também ajuda a regionalizar a produção e o consumo de alimentos pelo país – algo que é chave, argumenta Calais, para o enfrentamento do desafio da fome. Segundo ela, em vez do Brasil inteiro basear a dieta da sua população numa mesma cesta básica de produtos cuja viabilidade – e preço – pode variar largamente de cidade a cidade, produzir respeitando o potencial de cada solo e clima, a sazonalidade de frutas e vegetais e até mesmo a cultura de cada região é um investimento que só traz retornos positivos, em mais de um sentido. “As pessoas precisam conhecer mais os produtos das suas regiões. Se conhecem, valorizam; se valorizam, consomem mais. Se consomem, desenvolvem uma cadeia.”

É uma visão que Adalberto Luis Val corrobora, falando com a propriedade de quem vive em Manaus, no coração da Amazônia, ao lembrar da abundância de peixes e frutas que a floresta tem a oferecer. “A Região Norte não é uma região pobre; se há fome aqui, é porque há falta de estratégias de inclusão social e de produção de alimentos com base nos conhecimentos que já temos, para o melhor aproveitamento dos recursos”. Estratégias e conhecimentos, espera o biólogo, que esta edição do Prêmio Fundação Bunge ajudará a extrair da academia e a levar para o restante da sociedade, onde serão de imensa utilidade.