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Ciências Agrárias: Crédito de Carbono e Agricultura Regenerativa

Dadas as condições atuais do clima no planeta, o carbono pode significar a ruína ou o êxito da agricultura mundial; em particular, da agricultura brasileira. A constatação – sombria ou auspiciosa, a depender de como se olhar para a questão – foi uma das inspirações para o tema anunciado pela Fundação Bunge, em 2022, para homenagear as Ciências Agrárias na 66 a edição do Prêmio Fundação Bunge: "Crédito de Carbono e Agricultura Regenerativa".

Por um lado, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em fevereiro, reafirmou a necessidade de se reduzirem urgentemente as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), para se conter a temperatura média global ao máximo de 1,5 o C acima de níveis pré-industriais. Do contrário, não apenas o mundo estará à mercê de mais e maiores eventos climáticos extremos, como o Brasil será uma das economias mais prejudicadas, diz o IPCC, com sua renda média podendo cair 83% até o fim do século. E o setor agropecuário estaria entre os mais vulneráveis às mudanças do clima.

Por outro lado, organizações como a consultoria WayCarbon, especializada em sustentabilidade, vêm mostrando que o mercado de créditos de carbono – uma das principais promessas no combate ao aquecimento global, concebida desde o Protocolo de Quioto, em 1997, e cada vez mais perto de uma regulação internacional – pode representar uma grande oportunidade para o Brasil. Segundo estudo recente da consultoria, encomendado pela ICC Brasil (capítulo brasileiro da Câmara Internacional do Comércio), o país poderá gerar entre US$ 493 milhões e US$ 100 bilhões em receitas com créditos de carbono até 2030, considerando os setores do agro, floresta e energia.

Entre uma projeção e outra – a do IPCC e a da WayCarbon –, a agricultura brasileira parece estar, assim, numa posição singular: a de ser uma das mais ameaçadas pelas mudanças causadas pelas emissões de GEE no planeta, se nada for feito; ou de ser, ela própria, uma solução para o problema. A chave para isso estaria na chamada Agricultura Regenerativa.

Mais do que conservar as condições atuais de produtividade para gerações futuras, a Agricultura Regenerativa é um modelo de gestão agrícola e pecuária que efetivamente melhora a saúde da terra em relação ao que se tem hoje. Ao restaurar e renovar a biodiversidade e a matéria orgânica nos solos, por meio de práticas como plantio direto, culturas de cobertura, integração floresta-agricultura-pecuária, controle orgânico de pragas, entre outras, a Agricultura Regenerativa recupera a fertilidade, aprimora o ciclo hídrico e, talvez o mais importante, aumenta a capacidade dos sistemas produtivos de manter o carbono preso no chão e nas plantas. Invertendo uma lógica de décadas da agricultura industrial, a Agricultura Regenerativa convive e se beneficia da biodiversidade, em vez de reduzi-la. E, num ciclo virtuoso, quanto menos carbono emite, mais ela se torna produtiva.

A melhor notícia é que se trata de um modelo que o Brasil tem plenas condições de adotar. Afinal, "a agropecuária sustentável é uma vocação brasileira", como bem afirma a publicação da Academia Brasileira de Ciências Biomas e Agro: sinergia para uma bioeconomia pujante e sustentável (fev. 2022), que teve coordenação de Adalberto Luis Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e membro do Conselho Administrativo da Fundação Bunge.

"Hoje, somos reconhecidos pela liderança mundial em práticas agrícolas relacionadas à agricultura de baixo carbono", diz o documento, citando várias das técnicas hoje consideradas centrais para a Agricultura Regenerativa. A publicação faz, no entanto, uma ressalva importante: "Cada bioma brasileiro é rico em uma biodiversidade específica […] cada ecossistema é mais favorável ao desenvolvimento de diferentes espécies de plantas e animais". Nesse sentido, "detalhar as interações entre os seres vivos também possibilita identificar a vocação de cada bioma e as estratégias que devem ser adotadas para maximizar a produção agropecuária".

A Agricultura Regenerativa não é, portanto, solução de gaveta, que possa ser adotada da mesma forma em qualquer lugar. É uma agricultura que requer conhecimento e muita pesquisa, aliando saberes tradicionais locais a tecnologias e produção científica de ponta.

As Ciências Agrárias brasileiras já provaram estar à altura da tarefa. Foi por meio do trabalho de homens e mulheres da Ciência que o país se tornou potência agrícola mundial, no século passado, e é por meio deles que podemos nos tornar expoentes dessa nova visão de gestão da terra capaz de fazer frente às ameaças climáticas. "Não se trata de fé cega na Ciência, mas é um caminho seguro", diz Adalberto Luis Val. "Temos informações robustas; precisamos usá-las, para caminhar na direção do que hoje se chama de uma saúde única, planetária, em que tudo é observado: o bem-estar humano, a segurança alimentar, a manutenção da biodiversidade e da riqueza dos solos e das florestas."

Ao colocar a Agricultura Regenerativa e a questão do carbono no centro desse debate, o Prêmio Fundação Bunge manifesta, assim, a crença de que a Ciência brasileira, mais uma vez, será capaz de apontar o melhor caminho.