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A evolução da responsabilidade

17 de maio de 2022

Longe de ser um “modismo”, agenda ESG representa o mais novo capítulo de uma longa história de iniciativas sociais por parte das empresas

Ruy Altenfelder e Claudia Buzzette Calais*

Muitos acreditam que o ESG é uma espécie de “moda” e, por isso mesmo, algo passageiro. A tese é sedutora, especialmente quando levamos em conta que a sigla (Environmental, Social e Governance, no original em inglês) é a “bola da vez” no universo corporativo, alardeada por empresas dos mais diferentes ramos em suas peças de comunicação. No entanto, um olhar mais atento para a história das iniciativas empresariais de caráter social mostra que não é o caso.

A agenda ESG veio para ficar porque ela representa um estágio novo, mais sofisticado, na maneira como o mercado e a própria sociedade compreendem o papel da iniciativa privada enquanto corresponsável pelo bem-estar das comunidades impactadas por suas atividades. Não se trata, portanto, de “modismo”, mas de um novo capítulo em uma história tão antiga quanto o próprio capitalismo moderno.

Os primeiros registros de empresários que doaram quantias para instituições filantrópicas, tipicamente geridas por entidades religiosas, ou que fundaram suas próprias instituições remontam ao século 19. São figuras como o suíço Henry Dunant, fundador da Cruz Vermelha, ou Andrew Carnegie, magnata do aço nos Estados Unidos que se tornou um patrono das artes e da cultura.

A filantropia desempenha até hoje papel fundamental nas crises humanitárias, conforme demonstrado pela pandemia. Porém, do ponto de vista das empresas, ações filantrópicas por vezes se limitam à entrega de bens ou recursos para uma causa social – o “dar o peixe”. A busca por ações mais estruturadas levou ao surgimento, na metade do século passado, da noção de Responsabilidade Social Corporativa (RSC).

A RSC, que chegou efetivamente no Brasil na década de 1990, pressupõe um envolvimento maior das empresas nas causas sociais, com a construção e gestão de centros educacionais, eventos culturais e artísticos, projetos de capacitação profissional e muito mais. A lógica da doação é substituída por uma lógica de engajamento, o “ensinar a pescar”. O próximo passo nessa evolução seria a incorporação do conceito de sustentabilidade ao rol de preocupações sociais das companhias.

A noção de Desenvolvimento Sustentável está assentada sobre um “tripé”, contemplando aspectos Ambientais, Sociais e Financeiros. Um negócio só pode ser considerado sustentável se cumprir cada um desses três objetivos. Essa foi a tendência predominante no início deste século, com a crescente conscientização da sociedade a respeito de temas como as mudanças climáticas.

Como o ESG se encaixa nessa linha evolutiva? De certa forma, ele representa um desenvolvimento mais recente do tripé da sustentabilidade, incorporando a noção de Governança Corporativa às preocupações sociais de uma empresa. Logo, não basta que uma companhia cuide do impacto social e ambiental de suas atividades: ela precisa estar atenta ao seu próprio modelo de gestão, tornando-se, ela própria, uma promotora de avanços sociais. Não basta que uma empresa evite impactar negativamente o mundo; ela precisa assumir um papel ativo na promoção de valores como a diversidade, a igualdade de oportunidades e o combate às injustiças.

O ESG também ampliou a participação dos cidadãos e sofisticou mecanismos de accountability. As grandes agências mundiais de classificação de crédito, por exemplo, utilizam hoje critérios de ESG para orientar os investidores. É o caso da Moody’s & S&P Global, que incorporou empresas como a Sustainalytics, especializadas nesse tipo de análise. Até 2025, estima-se que o mercado de classificações ESG irá valer cerca de US$ 500 milhões.

ESG, portanto, não é “moda”, mas uma maneira mais complexa, adaptada ao nosso tempo, de lidar com uma questão antiga: qual é a responsabilidade social de uma empresa? Da filantropia ao ESG, o que vemos é um avanço cumulativo, com a incorporação de novos desafios e novas temáticas.

Como o conhecimento e a consciência humana estão em constante evolução, essa trajetória irá continuar. Uma coisa é certa: quando a próxima sigla ou conceito surgir, as empresas que tiverem assimilado a noção de ESG estarão mais preparadas para o próximo salto qualitativo nessa história das relações entre a iniciativa privada e o setor social. 

Ruy Altenfelder é advogado e Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas

Claudia Buzzette Calais é Diretora-executiva da Fundação Bunge